sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Lançamento do Livro 120 anos de Abolição - Existe racismo no Brasil?

O lançamento do livro das 120 cartas escolhidas acontecerá no na quinta-feira, 26/11/08, às 17 horas, no Museu Afro, Parque Ibirapuera. Será um momento histórico.

120 anos de Abolição - parte 2

E por falar em Democracia Racial, será que vivemos realmente em um país que goza desse mistério?

Tenho certeza que não. E isso ficou nítido nas cartas que escolhi para falar agora: as centenas de cartas das crianças de todo o Estado de São Paulo.

A expressão das crianças brotou em palavras, em desenhos, na mistura desse dois, mas foi além, brotou como se estivesse diante de cada uma delas, enquanto lia.

Infelizmente, preciso chamar atenção mais uma vez sobre os equívocos educacionais que marcam os indíviduos e, em especial, negros(as), mestiços(as), indígena. Em uma das cartas, o adolescente desabafava: "não tenho orgulho de ser quem sou, a história do negro me dá vergonha". Talvez se tivesse tido o direito respeitado de saber de suas origens, teria sim, muito orgulho ao contar sobre a ciência do povo negro que fora escolhido para ser escravizado não por uma suposta fraqueza, ao contrário, por seu conhecimento (agricultura, mineração) que construiu o Brasil.

E houve, mais uma vez, várias odes à Princesa Isabel.

Outro adolescente narrou que reconheceu o que já percebia, o racismo, no ambiente de trabalho. Notou que as pessoas o tratavam diferente e analisou que deveria ser preconceito em relação à sua religião, a umbanda. Até que o gerente incomodado confidenciou: Sabe o que é, você tem todos os "defeitos": é preto, gordo e macumbeiro. O adolescente prossegue, nos contando que guardou isso para si até o momento da campanha.


As crianças superaram qualquer expectativa, pois provaram sua percepção da realidade. Uma delas contou que seu pai é racista e quando ela está na rua brincando com suas amigas e amigos negros, ele chega a começa a gritar. Ela, envergonhada e triste, tranca-se no seu quarto. Diz eu gosto dos negros. Meu avô é negro e eu e meu primo apostamos corrida para ver quem chega no colo dele primeiro. Ele é negro e eu me sinto feliz. Ele me deu minha família.

Outra confidencia: Eu tenho a pele branca e a boca e os cabelos de negro. Eu me acho bonita. Minha mãe também me acha, diz que puxei meu pai e que sou mais negra do que branca.

E muitas cartas de crianças denunciando o racismo no ambiente escolar, da sala de aula ao parquinho da pré-escola: a violência cotidiana das predileções, dos apelidos humilhantes, da quase ausência de apoio efetivo.

E nessa semana festiva do dia da Consciência Negra (salve, Zumbi!) está nos noticiários o caso envolvendo Dudu Nobre, Adriana Bombom e os tripulantes da American Airlines.

Há Democracia Racial em nosso país?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

120 anos de abolição- parte 1

Tive a oportunidade de participar como leitora crítica da campanha 120 anos de abolição, encabeçada pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, com o objetivo de confirmar se o racismo existe ou não no Brasil e quais as histórias de superação e valorização da negritude . A população foi chamada a participar ou pela internet (www.120cartas.ig.com.br) ou por meio de cartas, urnas foram espalhadas pelo Estado afora. Foram mais de dois meses de "escuta" e os limites foram quebrados, uma vez que recebemos cartas e postagens do Brasil inteiro e até de brasileiros e brasileiras que residem no exterior.

Foi uma chance sem igual.

A princípio, posso falar de dados objetivas: a dificuldade de dominar minimamente o português junto com a dificuldade absurda que a realidade brasileira impõe aos negros e aos "mestiços em geral" de sobreviverem e de auto-conhecerem.

Também posso observar como a educação insiste em "transferir" equívocos graves que colocam a população negra em desvantagem secular, como exemplo, inúmeras odes à Princesa Isabel que, com todo o respeito, quem foi, o que fez mesmo? Lamento profundamente imaginar, mas respaldada em indícios fortes, que usaram uma mulher para assinar o que o Brasil lamentaria "a lei aúrea", pois um homem recusaria tal papel. Para reforçar isso é só olhar para o lado: uma lei que liberta da escravização para jogar vidas humanas a mercê da política de genocídio que vemos até hoje: a maior parte dos jovens mortos é negra, a maior parte da população desempregada é negra e etc.

Voltando a falar em transferência de equívocos conceituais demonstrados pelas cartas, aparece a tal de democracia racial. Se você acredita em democracia racial no Brasil, amigo ou amiga, afirme-se racista, confronte-se com isso, ainda que doa. Pois ou você acredita em uma política de exclusão racial que exclui negros, negras (e os pardos, utilizando termos conhecidos pela população) e política tem a ver com sistema, com estrutura política encontrada em escolas, hospitais, fóruns, delegacias, na atuação da polícia, carceragens e etc ou você acha que a parcela negra da população só cresce em função de esforço pessoal. E, ainda, se acredita mesmo nisso: assuma: você acha que o crescimento é meramente fruto de esforço pessoal e se a população negra está no pólo da exclusão.... é por causa do quê então? Olhe-se e se encare.

O que é democracia? O que é democracia racial? Negros, negras e mestiços (independentemente de sua identidade étnica) têm as mesmas oportunidades oferecidas aos brancos e brancas? Não se trata aqui de falar contra brancos e brancas individualmente (o que seria racismo) e sim de falar sobre um sistema político de exclusão que beneficia poucos em detrimento de muitos, sendo que tanto esses poucos e esses muitos podem nem saber, ao certo, falar desse sistema de apartheid, sentido na pele ou para o gozo ou para a dor. E essa ignorância do tema é fundamental para alimentar o próprio sistema.

O que você acha?

Até a parte 2!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Desumanidade Humanidade

Nessa última segunda-feira, caminhando pela Avenida Paulista, mas não com muita pressa não... que não sou dada a essas coisas, vi um tumulto em meio do trânsito.
Manu que estava comigo enxergou antes: um cachorrinho atropelado!
A pessoa (se é que pode ser chamada assim) que o atropelou foi embora, mas o motorista de trás (que honra o título de pessoa) não conseguiu prosseguir e saiu do carro. Ainda chamou a ajuda de um policial que estava em ronda, mas este se recusou. Sozinho, pegou o bichinho no colo e o levou à esquina.
Desumanidade. Humanidade. Gostaria que o vice versa ganhasse mais força.
Em volta do cachorrinho um grupo de pessoas. Todos e todas perplexos, sentindo-nos impotentes. Uma moça acariciava o bichinho, o rapaz tentava recuperá-lo. Em meio a nós, um outro rapaz se aproximou, viu o bichinho e correu para perguntar a um taxista se havia algum(a) veterinário(a) próximo(a). Ele não sabia. Lembrei de uma ong de defesa aos animais que estava fazendo um trapalho no Casarão da Avenida Paulista, corremos até lá, nada feito.
Na nossa volta, o bichinho já tinha morrido. A perplexão era contínua. Lágrimas, desolação.
A defesa da vida dos animais é garantida para a própria defesa da raça humana. É o que o Direito consagra e acertadamente, ao meu ver.
Essa defesa é da dignidade que tem haver com compaixão, ou seja, pôr-se no lugar do outro, solidariedade, companheirismo.
Alguém que atropela um animal e negligencia é o mesmo alguém que, tendo oportunidade, foge, se atropelar um ser humano. É assim porque é assim. Ponto. Até aqueles ou aquelas cujo olhar para a vida é cético não duvidam do que o olhar de um animal diz, em especial o cachorro pela preferência nacional. Esse olhar pode dizer amor, carinho, medo, dor, raiva, solidão, tristeza, saudade, felicidade... Sentimentos tão humanos.
Quem "atropela" esses sentimentos está fazendo o quê? Com quem? Com um cachorro "apenas"?
A cena foi muito triste mesmo. Entendo que Oyà recebeu o cachorrinho e está cuidando dele.
Por outro lado (acho que ler muito Rubem Alves dá nisso), a morte revela a vida e, neste caso, teve também um lado bonito. Todas aquelas pessoas que ficaram ali, que pararam seus passos paulistas e foram dignas, solidárias e companheiras daquele animal, deixando um gesto bonito.... também para a Humanidade.
Espero que mais animais possam ser adotados, independente da raça, do pedigree. O ser humano tem muita dificuldade em entender que é descendente de uma mesma raça: a humana e assim cria subdivisões para si, estendende-as com valor social aos animais, é muita loucura mesmo. Mas existe quem pensa e age diferente.

Axé

segunda-feira, 14 de julho de 2008

É possível

O que conheci de Ruth Cardoso, considero pouco. Lembro-me do projeto Universidade Solidária (é esse o nome????"), dos amigos que dele participaram e suas narrativas.
Mas, no episódio de sua morte, vi uma entrevista na qual ela dizia não ter dúvida de que a mulher é uma das maiores oprimidas do mundo bem como é a maior transformadora em potencial da realidade.
Tenho sorte de estar em grupo de mulheres que se orgulham desta condição e que buscam diarimente honrá-la. Conheço muitas outras ainda bem feridas e dominadas pelo machismo e que acabam por reproduzi-lo.
Penso que, obviamente, todos e todas somos machistas, uns mais e outros menos, simplesmente porque herdamos uma cultura extremamente machista. Mas é delicioso o exercício de rompimento.
Sim, somos os maiores potenciais de mudança que o mundo possui, não tenho dúvida também. Penso em como eu e minhas amigas criarão os filhos e filhas. Fico avaliando o como crescemos profissionalmente e o que considero mais trabalhoso: como crescemos em nossos relacionamentos afetivos (família, companheiros-a). Crescemos sem, para isso, alimentar outro ismo.
E fico, especialmente, feliz, quando pude conferir os passos que mulheres davam quando encontravam-se mais apoiadas e seguras, mulheres que possuem seus filhos e/ou filhas abrigados(as), mulheres com relacionamentos afetivos destrutivos.
Em uma lógica capitalista e perversa, é preciso apoiar, é necessário estar junto porque crescer e transformar o mundo é possível, aliás é bem possível. E para acabar esse rápido devaneio, junte-se a nós, Lya Luft e seus saberes: "Pensar é transgredir".

Ismos

Fico pensando como os "ismos" tiram o sabor natural das coisas.
O gesto de perfumar uma casa para que alguém, depois de um dia exaustivo de trabalho, entre e sinta seu espaço agradável, amável, é tão carinhoso. E é tão bom receber como fazer.
E, assim, a ausência um dia, desse gesto, por motivo qualquer, pode até ser celebrado como a percepção do quanto é importante e especial. Mas quando a percepção justifica o aparecimento do "ismo", deixando vir à tona cobranças, o carinho perde o sabor natural porque nele é pregado um rótulo chamado de obrigação. Tudo muda.
O "ismo" faz mal tanto a quem recebe como quem o usa. O peso da obrigação em lugar da naturalidade do carinho fere aos dois, três, quantos lados forem. Esse peso está lado a lado de auto lembranças como "se não fizer, vai ter briga", "se não acontecer, cobranças" e se alia também a pensamentos aliviadores "farei porque a pessoa está cansada, coitada". Diferente, diferente, das sensações: "vou fazer para que a beleza e o prazer o encontrem", "que bom fazer isso porque essa pessoa merece tanto e teve uma jornada dura hoje".
Um passo para que quem usa o "ismo" encontre também mudanças, cobranças de agradecimentos, de provas de afeto, de climas desfavoráveis. A ilusão de que o poder que confere o ismo é maior, faz ser menor a quantidade dos pequenos prazeres da vida. E eles são o sustentáculo da vida, não tenho dúvida.

De novo! De novo!

No dia 21 de junho foi o sexto aniversário de uma criança linda, cheia de luz, de nome Maurício e que o chamo de Maurício sô sô, uma musiquinha que inventamos quando ele ainda era bebê. É uma criança levada da breca, carinhosa, muito carinhosa e, ressalte-se de novo, danada!

O primeiro presente que lhe dei foi um livro de banho, esses livrinhos de plástico, tipo bóia e daí não paramos mais.

Em maio ele me disse: "Tia, faz tempo que você não me dá um livrinho, não é?". Dá para resistir a esse encantamento? E dá muito orgulho de perceber que ele é uma criança interessada em livros.

Um dia desses, estava com dois livrinhos trazidos por sua mãe, um sobre as obras de Tarsila do Amaral, com reproduções infantis dos quadros, e um de poemas de Vinícius de Moraes. Ele pede para ler com os olhos transbordando de felicidade, lemos umas quinhentas vezes (De novo! De novo!), ele memoriza a história e passa a "ler" o livro, com toda a liberdade infantil de criação.

Ama os livros da turma do Cocoricó e ganhou mais alguns de presente de aniversário.

Esse gosto pela leitura lhe dará a oportunidade de outra leitura: a de mundo.

Que continue sendo abençoado, que o sorriso lindo, meigo floresça sempre, que haja sempre doces beijinhos de jerimum e livrinhos, muitos livrinhos.

terça-feira, 17 de junho de 2008

A lembrança de um sorriso indígena

Conheci há aproximadamente um ano e meio um menininho de nome Luiz Fernando.
De pele clara, cabelo pretinho, liso, escorrido, com traços indígenas, o que fez com que estabelecéssemos uma relação de brincar no imaginário de arco e flecha. Mas era engraçado porque mesmo que as flechas nos alcançassem, caíamos na risada, eram flechas que faziam cócegas.....
Ele trazia consigo muitas marcas físicas e na alma. As perninhas marcadas, ao saber da história entendi, menino guerreiro que para se defender, se proteger, escondia-se no quintal, atrás das moitas de mato, passava a noite ao lado de pernilongos, mas tinha alergia (indígena moderno...) e as picadas lhe renderam cicatrizes.
Essas cicatrizes eram nada, delas até demos belas risadas, eu, ele e as crianças que moravam na casa lar.
Doíam mesmo as feridas abertas de uma história marcada pela violência doméstica, quando pareciam que iam cicatrizar, abriam-se e ele gritava, esperneava quando encontrava uma situação qualquer que lhe desse a "permissão" de gritar, espernear.
Uma vez fui chamada às pressas, Luiz Fernando tinha quebrado móveis e estava avançando em cima de um educador por um motivo que já nem lembro mais. O educador, ainda na fase inicial da caminhada, fazia provocações com a intenção da criança por para fora o desconforto. Mas entendíamos que o amor e a paciência, instrumentos de apurada e difícil utilização, eram mais fortes. Cheguei e disse "não!" (o que "não" adiantou...), me aproximei e Luiz Fernando chutava em minha direção, mas sabia que, na realidade, os chutes não eram para mim. Passei a dizer calma, relembrar tantos momentos bonitos que ele havia nos dado até que ele se acalmou e seguimos.
Em especial, depois disso, Luiz Fernando e eu ficamos mais próximos e posso dizer da criança inteligente, risonha, esperta que conheci.
Só que tem etapas muitas tristes que é necessário dizer, não para que elas prevaleçam e a história de Luiz Fernando seja sinônimo apenas de dor, mas para que fique a reflexão sobre qual a infância queremos para nosso país, sobre se é necessário ou não cuidarmos, tentarmos nos colocar no lugar do outro para ter compaixão, pensar por diversos ângulos, agir para proteger.
Luiz Fernando nos foi apresentado* em virtude de uma segunda adoção mal sucedida, sendo que amava muito esses pais. Aos 10 anos, sem seus pais e sem entender direito. Como entender direito? Se em qualquer separação adulta, ficam dúvidas para o tempo, qual a expectativa que devemos ter sobre o entendimento de uma criança que sofre 3 separações ao longo de apenas 10 anos de vida? A primeira de sua família biológica e duas de famílias supostamente "adotivas".
A história da mãe é um comum, a mulher que entrega seu filho a um casal que dará vida boa a ele, ao contrário dela própria, sem expectativas, sozinha. O pai? Mais uma resposta comum: não sabemos, mas, provaelmente, o pai saiba da existência dele.
Sobre o segundo casal, não sei direito também, sei do terceiro, com quem Luiz Fernando ficou mais ou menos 5 anos. Fora adotado com a importante missão de salvar o casamento de seus pais. O pai queria um filho que a mãe não podia lhe dar, o casamento estava em crise. Assim a criança chega à família.
Como uma criança "salva" uma relação feita por adultos? É esse o sentimento que deve mover uma adoção?
Anos depois, mãe com câncer, pai omisso, Luiz Fernando é levado ao Fórum e deixado junto com o Serviço Social. As técnicas contaram que ao vê-los indo embora, a criança gritava: "Mãe, não me deixa aqui!"
Com a esperança do casal ter se arrependido, as técnicas foram à casa, o casal as atendeu, todas as roupas, brinquedos, fotos de Luiz Fernando já tinham sido destinados, não queriam lembrança alguma.
Durante muito tempo no Abrigo, Luiz Fernando sempre se referia à essa mãe:"a comida da minha mãe é boa...", "minha mãe sabe fazer isso, aquilo".
Aos poucos, com momentos de muita dor e angústia (mal conseguia dormir), foi se adaptando ao abrigo. Por vezes, saia, atravessava a represa e ia em busca desses pais, sem sucesso de encontrá-los, não sei o porquê, pois chegou a ir à casa do vizinho....
Garoto inteligente, sem dificuldades com o aprendizado, fazendo Curso de Cidadania oferecido pelo Corpo de Bombeiros, nesse último domingo, quis reencontrar novamente essa tal família. Recebi a notícia hoje, agora a pouco que saíra da casa lar e fora encontrado morto na represa, provavelmente vítima de enforcamento. O abrigo aguarda a conclusão do laudo do IML.
O Brasil se emocionou com a história de Isabella Nardoni, assim como eu, vítima também de asfixia e com a probabilidade de ser em consequência de violência doméstica. O caso, embora existam muitas Isabellas, ajuda a pensar, a desvelar que nem sempre todos os familiares representam acolhimento, segurança. Os casos dos Luízes Fernandos da vida também ajudam a refletir que nem toda adoção é nobre porque nem toda adoção vê a criança, ao contrário, em muitos casos existem interesses do mundo adulto em encontrar uma criança que se encaixe à idealização ou à necessidade.
Como pode concebermos ainda um mundo no qual toda espécie de força é utilizada contra? Apenas a favor de interesses individuais. Como um adulto pode utilizar a supremacia de sua força física e enforcar uma criança? Como um adulto pode brincar de ser pai e mãe e depois dizer "não brinco mais" e "devolver" uma criança tal como se fosse uma coisa?
Passam muitas idéias na minha cabeça, desde encarar que existem pessoas à beira de ou na psicopatia e qual tratamento devemos oferecer, como detectar antes que Isabellas e Luízes Fernandos venham a perder a vida?
Como amparar os adultos a pensar sobre o tratamento que oferecemos e podemos oferecer à infância e juventude? A mãe biológica de Luiz Fernando não pensou que isso iria acontecer com o fiho dela, ao contrário, achou-se hipossuficiente para lhe oferecer uma vida de dignidade. Será que se ela tivesse recebido apoio, a história poderia ser outra? Milhares de mulheres ficam sozinhas diante de situações adversas, tendo de criar filhos sozinhas, sem poder ficar doente, ter depressão, enfrentar desemprego. Mas não passar por isso é possível?
A última vez que vi Luiz Fernando, há cerca de dois meses, após nos flecharmos muito... Ele saiu do banho, enrolado na toalha e fiz: "fiuuuuuuu fiuuuuuuuu", ele riu, riu, correu para o seu quarto, a toalha queria cair e ele gargalhava. Depois pedia "fica aqui hoje, dorme no meu quarto?" Estava orgulhoso de ter um quarto só para ele.
Depois de arrumado, ficou um tempão no meu colo, eu brincando com ele, ríamos muito. Quando estava indo embora, ele me disse "Tchau, mãe!"
Tchau, filhote, vou mandar uma flechada no céu para alcançar você e fazê-lo ficar feliz.
Que Olodum tenha o acolhido.

Flor e Nyanan, Flor Nyanan

Recebi o nome Nyanan de um irmão sudanês. Para a tradição africana, todo nome carrega em si um significado que energiza a vida de quem o traz.
Nyanan significa "irmã africana que está longe". Esse nome lindo me dá a força do reconhecimento de ser alguém responsável em zelar pela tradição afrobrasileira, uma vez que sou brasileira também. E sei igualmente da responsabilidade que me encontra junto com ele.
Nyanan me emociona, pois é um termo repleto de ancestralidade: "embora longe, irmã, embora longe, africana", lembrando a diáspora que marca toda a história do povo negro, afrodescendente.
O nome Flor me lembra carinho, natureza. Elementos que o Universo nos presenteia diariamente e que estão intrísecos na cultura afrobrasileira.
Juntei os dois nomes para alimentar a força feminina, uma vez que me orgulho de ser mulher. "Tudo junto e misturado", espero que esse seja um espaço de defesa da vida e da dignidade humana, que em Flor Nyanan possam ser encontrados retalhos de colcha que falem de amor, luta, negritude, indignação, dores, sonhos, gênero, amizade, ancestralidade, família, natureza. Espero encontrar teu retalho aqui.
Vamos ver no que vai dar.
Axé

A estrela e o nada

85Uma amiga dessas que o Universo nos oferece para ser mais do que amiga e sim irmã, de nome Maria, um dia me disse: "por que você não faz um blog?" e me pegou em um momento de vazio muito grande. Para o taoísmo o vazio não tem conotação negativa, ao contrário, é por meio dele que podemos encontrar o que nos dá sentido à vida.
Respondi à Maria que não tinha porque não sabia fazer e isso ficou matutando na minha cabeça até que hoje, mais um dia de enfrentamento para uma guerreira tenho que ser, decidi me aventurar nesse tarrrrr de blog. Não posso deixar de escrever que Maria me deu outro incentivo para tal missão (persistente...) ao fazer o lobby do blog do maridão dela. Li e adorei. Muito legal, Rogério, parabéns.
E isso tudo mais me parece um renascimento, me faz lembrar dos diários da adolescência encapados de papel rosa camurça que, hoje reconhecendo, em muito me salvaram, pois nele expressei sonhos, dores, mais sonhos do que dores (um jeito de enfrentar a vida).
Não sei com que idéia de dimensão, esta mocinha Maria conseguiu me chamar para algo que gosto muito e desde cedo: escrever e fez no momento em que estava vazia, no nada, instante perfeito no qual poderia ouvir como criança, ter curiosidade como criança e sem nem perceber iniciar um caminho de reencontro com uma certeza interior muito grande em essência e beleza: tenho amigas, somos amigas.